'É divertido aprender matemática e física', afirma fundador da Khan Academy
O fundador da Khan Academy defende o ensino personalizado e o uso da tecnologia para transformar as salas de aula do mundo nos próximos 10 anos
Ele não tem formação em pedagogia, não dá lições
presenciais em escolas e, em suas aulas, trata de temas complexos –
chatos, até – que normalmente são o terror dos estudantes: geometria,
aritmética, trigonometria. Números, números e mais números. A forma
como Salman Khan apresenta esses problemas matemáticos (e de física, e
outros tantos assuntos, especialmente na área de exatas), porém, é
diferenciada. Inovadora. Capaz de atrair mais de 300 milhões de alunos
em lições online que, de tão populares, hoje são traduzidas para
diversos idiomas – inclusive o português. A contribuição do professor
mais famoso da internet, no entanto, vai além das aulas. E muito além do
ambiente virtual.
Fundador da Khan Academy, uma organização sem fins
lucrativos que se dedica à elaboração de videoaulas
divulgadas gratuitamente na internet, esse matemático americano defende
uma revolução no ensino. Uma mudança em todo o sistema da educação.
Proposta que passa, em primeiro lugar, pelo professor: pela forma de
ensinar – mas envolve ainda a adequação de escolas às novas tecnologias,
à mudança de hábitos dos alunos e à consequente necessidade de levar
interatividade para a sala de aula. Assim, seria possível avançar ainda
mais: com maior integração aos estudantes, teria início o ensino
personalizado em cada instituição de ensino. E essa realidade, acredita
ele, está próxima.
Aquela aula expositiva, com alunos sentados em carteiras
e um quadro negro à frente, com um professor palestrando em pé ao longo
de uma hora e pouco espaço para a solução de dúvidas, é criticada
por Salman Khan. As lições monótonas, com estudantes em um papel passivo
e sem individualidade, com mestres acostumados à mesma rotina em classe
após classe, são também condenadas por ele – que ficou conhecido
por lições virtuais rápidas, mas profundas, e uma atraente informalidade
na maneira de abordar temas de difícil assimilação. Quando têm
dificuldade em aprender um certo tema, são essas aulas que os estudantes
procuram. Por que não garantir isso a eles dentro da escola?
"É precisar ocorrer uma mudança de mentalidade. Todos
nós, quando fomos à escola – incluindo a maior parte dos professores –,
sentamos na classe, havia uma carteira, um quadro-negro, e o professor
dava uma palestra. Então ficou programado nas nossas mentes que é este o
papel do professor: chegar todo dia, fornecer algumas informações,
talvez dar nota a alguns trabalhos, e no outro dia fornecer mais algumas
informações, talvez dar nota a alguns trabalhos... e assim continuar",
analisa Khan em entrevista ao Terra. "É uma mudança de
mentalidade sair disso para o que, acreditamos, é uma habilidade de mais
valor: diagnosticar onde cada estudante está, intervir, levá-los a
projetos mais ricos, a discussões mais ricas, e utilizar ferramentas
como a Khan Academy para facilitar isso."
Aulas online: 'é divertido aprender'
Mesmo fora da sala de aula, Sal – como o professor costuma ser chamado
– descobriu que muitos estudantes buscam aprender mais, se aprofundar no
conteúdo apresentado no colégio ou apenas revisar o que não entenderam
durantes as aulas. Dezenas de milhões pessoas buscam o conhecimento
divulgado por ele, e não por imposição dos pais ou da escola. Estão
ávidos por aprender, por ir além do que lhes foi apresentado na classe,
por revisar matérias em que têm dificuldade – conteúdos que às vezes nem
fazem parte do currículo escolar. O que os atrai? São
as abordagem simples sobre assuntos complexos, as lições rápidas, a
paciência com que explica cada aspecto de determinada matéria?
"É engraçado porque investimos muito em software, em
mecânica de jogos e tudo o mais, mas se formos realmente à base de tudo,
ao que deixa as pessoas animadas, ao porquê de se conectarem à Khan
Academy, percebemos que ela faz os alunos sentirem que esses conceitos
que antes pareciam difíceis, que os faziam parecer estúpidos, são, na
verdade, acessíveis. Eles veem que são capazes de aprender, e que isso é
até divertido. Penso que todo ser humano, quando começa a sentir que
consegue entender alguma coisa, que é capaz de dominar um assunto,
começa a aproveitar aquilo. Acho que isso se aplica a matemática, a
física ou a qualquer outra coisa", avaliou Salman.
Khan Academy e a tecnologia nas escolas
O professor mais conhecido do mundo fala animado sobre o desafio de
ensinar. Algo que, para ele, passou de um hobby para um projeto de vida.
É com a mesma informalidade e abordagem simples daqueles primeiros
vídeos que fez para ajudar os primos a tirarem melhores notas que ele
explica álgebra, probabilidade e termodinâmica para uma infinidade de
alunos. Não é exagero dizer que a academia de Sal ajudou a redefinir o
papel da tecnologia na educação – mostrando como ensinamentos feitos com
o auxílio de recursos digitais conseguem atrair mais estudantes e
manter a atenção deles mesmo com temas de difícil assimilação.
"O acesso à tecnologia ainda é um ponto de interrogação
para muitas escolas e muitas famílias. Creio que tem sido um ponto de
interrogação porque as pessoas sempre disseram: 'por que temos que fazer
isso? O que as crianças vão obter se você der a elas um computador, um
tablet para estudar? Espero que nós tenhamos conseguido responder a essa
pergunta: 'bem, aqui está o recurso para estudantes aprenderem no
próprio ritmo, fornecer dados aos professores para entenderem em que
ponto os alunos estão e, depois disso, levar os estudantes ainda além do
que o software consegue ir."
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Mais de 600 vídeos da Khan Academy ganham tradução para o português
A Fundação Lemman está traduzindo mais 600 vídeos de matemática de ensino fundamental da Khan Academy – plataforma criada por Salman Khan que oferece mais de 3 mil videoaulas gratuitas – que serão publicados até novembro deste ano, com uma média de 20 a 30 vídeos por semana. Essa parceria foi firmada no começo do ano, com o objetivo de traduzir um total de 1 mil vídeos e adaptar o currículo para a realidade nacional.
Para deixar as aulas um pouco mais divertidas, o locutor
é Wendell Bezerra, famoso por dublar o Goku, personagem principal do
desenho japonês Dragon Ball Z, Bob Esponja e o vampiro Edward, da Saga
Crepúsculo. Outra alteração da tradução é a adequação de unidades de
medida, da moeda e dos símbolos, principalmente o lugar da vírgula e do
ponto, que são invertidos na lógica brasileira em relação aos Estados
Unidos.
Os vídeos que já foram traduzidos estão disponíveis no site da Fundação Lemman.
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ONG leva kit com Wi-Fi e plataforma de ensino a lugares pobres
Instituição foi criada a partir de experiência em orfanato mongol
Zaya,
uma menina órfã de 15 anos, teve a oportunidade de aprender matemática
através das aulas da Khan Academy em 2011, em Ulan Bator, na Mongólia.
Empolgada com o aprendizado – ao qual ela provavelmente nunca teria tido
acesso se o engenheiro Neil DSouza não tivesse levado ao seu orfanato
os vídeos de Salman Khan –, ela não parou por aí. A jovem começou a
criar suas próprias lições, traduziu 250 vídeos de Khan para o mongol e
ajudou outras crianças a aprender a disciplina.
Sua atitude acabou sendo também inspiradora e motivadora
para que DSouza não abandonasse seu projeto, incipiente e então
batizado de Teach a Class, de levar educação de alta qualidade a crianças de 6 a 13 anos em qualquer lugar do mundo através da tecnologia. “Zaya fez
eu entender que o que eu me propunha a fazer era possível e por isso eu
dei o nome dela, que também significa destino em mongol, à minha
organização”, disse o engenheiro que largou um emprego na Cisco nos
Estados Unidos para trabalhar pela educação.
No primeiro ano, ele se dedicou a proporcionar
conectividade e conteúdos de recursos educacionais abertos (REA), como
as aulas de Salman Kahn e do Discovery Education, a escolas em zonas
rurais e pobres da Indonésia e da Mongólia. Queria resolver um problema
que percebeu ao viajar pelo mundo: muitas escolas tinham computadores,
mas eles não eram utilizados, seja por falta de acesso à internet ou
despreparo dos professores.
Para levar boas aulas aos alunos, o primeiro produto da
ONG Zaya foi uma caixa que cria uma micronuvem capaz de armazenar dados
(as aulas) e dar acesso Wi-Fi a essa nuvem (por meio de um roteador) a
computadores e aparelhos móveis. A solução ainda tem uma bateria que
dura 10 horas, o que permite que funcione em lugares onde não há energia
elétrica.
"Conteúdo é uma coisa e contexto é outra. As crianças
podem olhar o conteúdo sem entender a lição. Muitos acham que basta
traduzir aulas para uma língua diferente, mas nem sempre funciona." (Neil DSouza,
engenheiro e fundador da ONG)
Da experiência em 20 instituições nos dois países – das
quais uma era o Lotus Children Center, orfanato de Zaya –, DSouza
percebeu que não bastava apenas oferecer conteúdos livres prontos para
garantir o aprendizado, mas era preciso adaptá-los e criar um modelo
pedagógico eficiente para transmiti-los. “Conteúdo é uma coisa e
contexto é outra. As crianças podem olhar o conteúdo sem entender a
lição. Muitos acham que basta traduzir aulas para uma língua diferente,
mas nem sempre funciona”, diz DSouza. “É preciso proporcionar a
experiência correta aos usuários, que no nosso caso são as crianças”,
explica.
No segundo ano de trabalho (2012), a equipe da Zaya
passou a desenvolver uma plataforma pedagógica para colocar dentro da
micronuvem com o objetivo de melhorar a forma como as informações são
passadas e, consequentemente, percebidas pelos alunos. A ferramenta
agora tem modelos prontos de vídeos, avaliações, exercícios, que propõe
um tipo de aprendizado baseado em habilidades e podem ser adaptados a
vários tipos de conteúdo. Além disso, a solução gera dados sobre como as
crianças estão aprendendo, que também ajudam os professores.
Na Índia, onde a equipe da Zaya está trabalhando em
2013, produtores locais foram chamados para formular boa parte das
aulas, de acordo com o currículo e a realidade do país. “Os templates
estão prontos. Se formos ao Brasil, já temos esses modelos e é só fazer o
conteúdo para colocar neles. Agora, já conseguimos dizer aos produtores
de aulas como fazer isso para preencher o gap educacional”, diz DSouza,
que pretende visitar o País no ano que vem, quando vai conversar com
ONGs sobre seu projeto.
Laboratórios de aprendizagem
A partir de uma parceria com a ONG Teach for India, a ferramenta começou a ser utilizada este ano em 10 escolas nas aulas de inglês e matemática, mas é no aprendizado fora da sala de aula regular que se concentram os mais recentes esforços da Zaya. Neste ano, a solução completa da ONG ganhou um novo elemento. Além da conectividade e da plataforma pedagógica, Zaya criou novos tipos de laboratórios de aprendizagem, que pretende espalhar pelo mundo, sempre com o mesmo objetivo de proporcionar ensino de qualidade a quem ainda não tem acesso a esse direito básico.
"Se formos ao Brasil, já temos esses modelos e é só fazer o conteúdo para colocar neles." (Neil DSouza)
Segundo DSouza, quase 80% dos estudantes indianos
frequentam aulas de reforço depois da escola. Mesmo as famílias pobres
pagam de US$ 5 a US$ 10 por mês por tutorias diárias para seus filhos,
porque não confiam no sistema de ensino do país.
“Não é fácil implementar um projeto como o nosso dentro
da escola. Como a nossa meta é impactar as crianças e como elas já
passam duas horas a mais estudando depois da aula, decidimos que não
deveríamos atuar apenas no sistema de ensino tradicional”, conta.
Os primeiros cinco laboratórios inaugurados pela Zaya em
Mumbai são confortáveis e têm um design moderno, onde as crianças podem
entrar, pegar um tablet e começar a estudar. Elas aprendem a mesma
coisa que na escola, mas de uma maneira mais efetiva, usando a
plataforma, com ajuda de professores facilitadores. “São como lojas da
Apple da educação”, compara o fundador da ONG. Até o fim do ano, a
expectativa é ter 20 desses laboratórios na Índia.
"São como se fosse lojas da educação da Apple." (Neil DSouza
sobre os laboratórios da ONG)
Por enquanto, alguns deles são gratuitos, porque foram
implantados em parcerias com outras ONGs, e outros cobram a mesma taxa
que os indianos já estão acostumados a pagar por aulas extras, modelo
que o indiano imagina usar daqui para frente para aumentar a rede. A
ideia ambiciosa de DSouza é que esses laboratórios sejam replicados a
partir de uma prática de franchising, no qual a Zaya fornece um kit
composto por 20 ou 25 tablets, a caixa com o roteador e a ferramenta
pedagógica, um projetor e fones de ouvido para serem gerenciados por
pessoas engajadas em educação. “Pode ser instalado até em casa. Estamos
criando uma rede de laboratórios para as crianças frequentarem depois da
escola”, diz.
Esses laboratórios também fazem parte também da
estratégia para tornar a marca Zaya conhecida e sustentável. Como o
custo de instalação é pequeno e o que as pessoas pagam para usar os
laboratórios não é muito, DSouza imagina que essa é uma forma eficiente
de expandir o aprendizado pelo mundo. “Não esperamos fazer dinheiro
disso, mas não queremos que as pessoas deixem de usar nossos programas
por falta de fundos. Queremos que seja sustentável”, diz DSouza.
Por enquanto, a Zaya se mantém com doações e valores recebidos em prêmios.
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