Primeiramente, há que se retomar
aqui a lembrança de que cada indivíduo é peculiar em suas características
e em suas expressões.
Assim, embora hajam aquelas que são
compartilhadas por grande parte das crianças dotadas de altas
habilidades/superdotação, existem outras características, a serem
estudadas individualmente e conhecidas em suas peculiaridades e
especificidades.
Assim, é de extrema importância que
não se coloquem rótulos genéricos, nem se teçam conclusões guiadas
categorialmente, mas sim, que a família e a escola se unam, para
avaliar, individual e cuidadosamente, a cada criança, na busca de
identificação de sua expressão no processo de aprendizagem, bem como das
necessidades educacionais que apresenta: tanto as comuns, como as
possivelmente especiais.
Pais, professores e profissionais de
áreas especializadas devem trabalhar cooperativamente, no
processo de avaliação compreensiva da criança que apresenta sinais de
altas habilidades/superdotação, já que o objetivo principal de uma
avaliação é identificar o conjunto de necessidades educacionais da
criança, como elemento de essencial importância para a elaboração do
planejamento do ensino.
Os pais podem contribuir com
dados obtidos através de observação das expressões e potencialidades da
criança no ambiente doméstico e social.
Os professores e demais educadores
envolvidos, por sua vez, também contribuem com dados levantados
através da observação do processo de aprendizagem do aluno,
de sua participação nas atividades da sala de aula, bem como nas
diferentes atividades do cotidiano escolar. Existem inventários e
outros instrumentos norteadores da observação, que podem facilitar a
tarefa do professor.
A síntese dessas informações permite
a identificação pontual das habilidades e competências
apresentadas pelo aluno, bem como sinaliza suas necessidades, na direção do que
é necessário para a utilização do máximo de seu potencial, de forma
construtiva e enriquecedora para seu desenvolvimento, para sua
aprendizagem e sua formação enquanto
pessoa e ser social.
As necessidades educacionais de crianças com altas
habilidades/superdotação
Para responder às necessidades
educacionais especiais das crianças com altas habilidades/superdotação,
é importante que família e escola trabalhem cooperativamente,
compartilhando esforços e informações.
RECOMENDAÇÕES AOS PAIS
É importante que os pais entendam
que a superdotação pode ocorrer em uma ou algumas das
diferentes áreas de competência, como por exemplo, memória, raciocínio
lógico, raciocínio abstrato, administração da vida prática,
capacidade de informação, capacidade de liderança, capacidade de
comunicação verbal, etc.
É importante, também, que entendam
que o fato de seu filho, ou filha, apresentar uma característica
atípica em alguma(s) dessas funções não significa que assim também o
seja em todas as demais áreas de seu desenvolvimento. Por
outro lado, o fato de ter altas habilidades em várias áreas não
garante maturidade na área pessoal e/ou social.
O reconhecimento da presença de altas habilidades e sua estimulação são fatores essenciais para o bom desenvolvimento geral da criança. Assim, recomenda-se que os pais ofereçam alternativas estimuladoras às crianças, levando-os a museus, feiras científicas, exibições artísticas e permitindo que elas se expressem a respeito.
É interessante que forneçam sempre, à criança, estimulação visual, auditiva, verbal e sinestésica, bem como um ambiente desafiador, adequado para a idade em que seu filho se encontra. Dentre os brinquedos oferecidos à criança, por exemplo, dar preferência aos que possam ser usados para uma variedade de atividades, ao invés de objetos monofuncionais.
É importante que a família incentive a associação da criança de altas habilidades/superdotação com pessoas que tenham interesses e aptidões semelhantes.
Por outro lado, é importante também, que se pratique com a criança, o exercício da empatia, da compreensão, da diversidade, do respeito pelas características individuais das pessoas e das relações saudáveis entre as diferenças pessoais.
À medida que a criança cresce e vai avançando em seu desenvolvimento, é interessante que a família participe de suas análises de alternativas profissionais, bem como das atividades ocupacionais que melhor se adequem as competências e habilidades diferenciadas que o/a jovem apresenta.
Grande parte das famílias brasileiras não tem informação sobre a superdotação, além de ter limitada possibilidade de oferecer à criança com altas habilidades a estimulação de que ela necessita. A escola e o professor podem em muito auxiliar, informando e orientando à família quanto aos procedimentos possíveis na realidade de seu cotidiano.
RECOMENDAÇÕES AOS GESTORES DA
EDUCAÇÃO
Os gestores da Educação têm papel de
primordial importância, já que é a eles que compete a decisão
política de construir um sistema educacional que seja respeitoso e
responsivo às necessidades educacionais especiais dos alunos com altas
habilidades/superdotação.
É aos gestores, também, que compete elaborar o planejamento estratégico que lhes permitirá implementar, no ritmo e na intensidade possíveis, o preparo dos professores e dos demais profissionais da Educação, bem como as adaptações curriculares que se mostrarem necessárias.
A escola inclusiva não será implementada somente com a inserção de alunos portadores de necessidades educacionais especiais em salas do ensino regular. Há que se garantir a acessibilidade, que se adquirir os instrumentos, equipamentos e materiais necessários para o ensino, que se capacitar e preparar os professores, que se estabelecer os critérios e normas do funcionamento inclusivo, tarefas que não são da competência, nem da possibilidade de ação do professor.
Assim, é essencial que os gestores da Educação assumam sua parte da responsabilidade nesse processo, executando as ações que são anteriores às ações dos professores, cujo âmbito de ação e competência profissional se prioriza ao contexto da sala de aula.
RECOMENDAÇÕES AOS PROFESSORES
Inicialmente, é importante apontar
que nenhum professor precisa apresentar altas habilidades para
ensinar alunos que as apresentam.
O que o professor precisa, primeiramente, é identificar as áreas de alta potencialidade do aluno, observar como estas estão sendo utilizadas no contexto escolar, e planejar suas atividades de ensino, de forma a promover o crescimento de acordo com seus próprios ritmos, possibilidades, interesses, necessidades e singularidades.
O trabalho do professor na área das altas habilidades/superdotação se traduz em desafios. Requer uma postura de facilitador do processo de aprendizagem, uma vez que as características apresentadas muitas vezes superam as expectativas previstas. É importante que esse profissional tenha flexibilidade na conduta pedagógica e nas relações entre seus alunos, que possibilite o crescimento de talentos e habilidades oportunizando desafios e contextos interessantes que motivem a aprendizagem.
É essencial que o aluno com altas habilidades/superdotação se desenvolva em seu próprio ritmo, aproveitando ao máximo suas potencialidades e competências, sem ser “subjugado” a um conteúdo curricular que já domina, que seja estimulado a construir novos conhecimentos, ao mesmo tempo em que conviva com parceiros da mesma faixa etária, ou da mesma faixa de maturidade emocional, no contexto regular da sala de aula. Obrigar o aluno a trabalhar conteúdos que não lhe constituem desafios de aprendizagem é mantê-lo desmotivado, aborrecido e livre para desenvolver padrões indesejáveis de relacionamento e de comportamento escolar.
No dia a dia da escola em muitas situações se torna necessário ser flexível na utilização do espaço físico, na utilização de materiais e equipamentos, na organização e reorganização de grupos de trabalhos, na estruturação de planejamentos e em procedimentos e processos de avaliação.
Os objetivos da ação pedagógica juntos aos alunos com altas habilidades/superdotação devem preparar para a autonomia e independência, desenvolver habilidades, estimular atividades de planejamento, implementar diferentes formas de pensamento e oferecer estratégias que estimulem o posicionamento crítico e avaliativo.
Segundo Reynolds e Birch (1982), e Lewis e Doorlag (1991), há seis princípios importantes que podem auxiliar o professor a oferecer experiências educacionais apropriadas para esse grupo de alunos, no contexto da sala inclusiva:
1. Estimular a independência de estudo do aluno, ensinando-o a ser “eficiente e efetivo” nessa tarefa. Assim, é interessante que o professor estimule o aluno a ler, a pesquisar, a buscar novas informações em material extra-classe, de forma que ele aprenda a estudar pesquisando. Desta forma, o aluno não precisa ficar “amarrado” ao conteúdo regular do plano de ensino da série ou nível em que se encontra (por ele, muitas vezes, já dominado), andando em seu próprio ritmo, ao mesmo tempo em que se evitam problemas na interação com colegas e mesmo com o professor.
2. Estimular que os alunos utilizem processos cognitivos complexos, tais como o pensamento criativo, a análise crítica, análises de prós e contras, etc... Esse tipo de atividade permite ao aluno exercitar suas competências de forma construtiva e favorecedora de um desenvolvimento dentro de seu próprio ritmo.
3. Estimular os alunos a discutirem amplamente sobre questões, fatos, ideias, aprofundando gradativamente o nível de complexidade da análise, até culminar em um processo de tomada de decisão e de comunicação com os demais acerca de planos, relatórios e soluções esperadas a partir das decisões tomadas. Este procedimento não só estimula as operações de análise (reflexão sobre os múltiplos componentes da realidade enfocada, a identificação de possibilidades alternativas para a solução de problemas) e de síntese, como também a organização do pensamento, o raciocínio lógico, o planejamento de ações, a avaliação de possíveis consequências e efeitos das ações planejadas, a comunicação social das ideias, dentre outras competências.
4. Estabelecer as habilidades de comunicação interpessoal necessárias para que os alunos trabalhem tranquilamente com parceiros de diferentes faixas etárias, e de todos os níveis do desenvolvimento cognitivo. O fato de ter altas habilidades, sejam elas as competências que forem, pode tornar-se impeditivo para a convivência entre pares, razão pela qual é de grande importância que a interação e a comunicação interpessoal constituam objetivos de ensino, de igual importância aos demais conteúdos curriculares.
5. Estimular o desenvolvimento do respeito pelos demais seres humanos, independentemente de suas características, talentos e competências. A criança portadora de altas habilidades pode se tornar alguém impaciente com pessoas que funcionam em nível ou ritmo diferente do seu, ou desenvolver um padrão de a elas desqualificar. Isto é prejudicial para seu desenvolvimento pessoal e social, podendo ter consequências destrutivas para seu próprio processo de aprendizagem, bem como para a sociedade. Assim, tratar do desenvolvimento e da prática do respeito humano enquanto conteúdo curricular é de importância e relevância educacional e social.
6. Desenvolver expectativas positivas do aluno quanto a escolhas profissionais que possam otimizar o uso de seus talentos e competências. (p. 396).
Lewis e Doorlag (1991) abordam especificamente a questão da criatividade, a qual “pode também ser conceituada como a habilidade de gerar soluções novas para problemas específicos” (p. 397).
Assim, um dos componentes da criatividade é o pensamento divergente, competência envolvida para a sugestão de várias soluções para um problema. Os autores acima citados apontam que segundo Silverman (1988), há quatro fatores que são importantes para o exercício do pensamento divergente: a fluência, a flexibilidade, a originalidade e a elaboração. Segundo Silverman (1988, p. 276):
• A fluência é a habilidade de gerar
muitas respostas.
• A flexibilidade é a habilidade de
mudar a forma, mudar a informação, ou mudar a perspectiva do olhar para
a realidade focalizada.
• A originalidade é a habilidade de
gerar respostas novas.
• A elaboração é a habilidade de
cercar uma ideia com detalhes.
Para estimular o desenvolvimento e a utilização do pensamento criativo, o autor sugere que o professor use de estratégias tais como:
• Atividades do tipo “tempestade de ideias”, ou seja, estimular que o grupo apresente muitas possíveis
soluções para o problema.
• Estimular cada aluno a apresentar
o maior número possível de possibilidades, de forma a
desenvolver sua flexibilidade intelectual.
• Ensinar habilidades de debate,
encorajando os alunos a discutirem sobre assuntos de sua própria
escolha.
• Estimular que cada aluno defenda o
ponto de vista do professor, o ponto de vista de outros colegas,
o ponto de vista dos pais, etc...
• Estimular que os alunos tomem a
iniciativa de apresentar projetos, incentivando e apoiando seu
desenvolvimento e realização.
• Estimular que cada aluno apresente
sugestões inéditas de possíveis soluções para os problemas.
• Fazer sessões de “ideias malucas”,
onde somente noções incomuns podem ser discutidas.
• Estimular os alunos a escreverem “scripts”
para programas de rádio e de TV, e a participarem dos
referidos programas.
• Estimular, também, que cada aluno
amplie cada vez mais o detalhamento das soluções que tenha proposto.
• Estimular que alunos que
apresentam altas habilidades em matemática, por exemplo, criem quebra-cabeças, e
outros instrumentos que exijam o raciocínio.
Outro componente ligado ao pensamento divergente é a capacidade de resolução de problemas. Resolver problemas é uma habilidade que se manifesta não só na sala de aula, com conteúdos acadêmicos, mas também nas diferentes situações do cotidiano.
A resolução de problemas envolve operações mentais distintas, tais como cognição, memória, produção divergente, produção convergente e avaliação. É importante que o professor estimule, nos alunos, de maneira geral, o exercício dessas operações, nas atividades do cotidiano da sala de aula.
Algumas alternativas pedagógicas são facilitadoras para a docência e se tornam muito estimulantes para o aluno com altas habilidades/superdotação, nas salas de recursos por meio do Projeto de Interesse do Aluno.
Projetos
de Interesse do Aluno
• Planejamento de atividades de enriquecimento
a serem desenvolvidas em paralelo com a programação normal da série da qual se
insere o aluno.
• Elaboração de atividades
diferenciadas e enriquecidas.
• Estímulo à participação do aluno
na elaboração de projetos de investigação ou de pesquisas de acordo com seus
interesses particulares ou suas habilidades.
• Desenvolvimento de atividades
culturais e científicas como Feiras, Mostras e Semanas de Estudo,
destinadas a apresentação de temas desenvolvidos durante um
trabalho escolar.
• Elaboração de fichas de conteúdos
estimulantes, desafiadores e curiosos para estudos independentes
a todo o grupo escolar.
Administrando
a diversidade em salas de aula
inclusivas
Nos textos anteriores já se falou
sobre esta questão, mas acreditamos que nunca é demais abordá-la!
Para que um professor possa administrar com competência seu ensino, ele precisa primeiramente conhecer seus alunos. Sabemos que é prática comum, em nossa realidade educacional, que se faça o plano de ensino antes do início das aulas, antes de se vir a conhecer os alunos.
Embora este procedimento seja praticamente obrigatório, dadas as exigências burocráticas que cercam o trabalho do professor (prazos de entrega de documentos, principalmente), não é segredo para ninguém que ele carece de sustentação lógica, já que um plano de ensino só faz sentido se ele for desenvolvido para alguém que se conhece.
Se não conheço o aluno que vou receber, porque planejar o ensino? Vou ensinar para quem? Como vou ensinar? Que estratégias pedagógicas serão mais eficazes para cada um dos alunos que ainda nem conheço?
Entretanto, esta é a realidade de nosso cotidiano escolar. O que recomendamos é que isto passe a ser discutido em cada comunidade, e que seja definitivamente modificado operacionalmente. Enquanto isto se procede, entretanto, sugerimos ao professor que após as primeiras semanas de aula, à medida que vá conhecendo os padrões de aprendizagem de cada aluno, comece a promover ajustes em seu plano de ensino, de forma a poder atender ao conjunto de necessidades e singularidades que venha a perceber no conjunto de seus alunos.
Assim, ele terá um plano de ensino genérico, e planejamentos individualizados para alunos que assim o necessitarem. O professor deve observar atentamente as competências e habilidades de cada aluno seu, bem como as necessidades peculiares de cada um.
Que seja criativo. Que trabalhe com cantinhos (ou salas) de aprendizagem, experimente agrupamentos e re-agrupamentos de alunos, que estimule que cada um se desenvolva no ritmo e direção de sua opção, que dê suporte para o processo individual de desenvolvimento dos alunos e garanta espaço acadêmico para que os alunos possam nele circular à medida de sua necessidade, interesse e vontade.
Professor: Não tema o aluno com
altas habilidades. E também não o tolha.
Faça dele seu aliado no processo de
busca de compreensão da realidade, em cada uma das linguagens
científicas com a qual você estiver com ele trabalhando (compreensão
matemática da realidade, compreensão física da realidade, compreensão
histórica da realidade, compreensão geográfica da realidade, compreensão
biológica da realidade, etc...).
Estimule, desafie, dê suporte, vibre com ele, seja seu aliado, seu cúmplice e seu amigo no processo de construção do conhecimento.
Só assim você estará sendo verdadeiramente profissional.
Como vê, ensinar é uma coisa só: é
partir daquilo que o aluno real traz consigo, para a sala de
aula, e caminhar para a ampliação de seu conhecimento, utilizando as
vias de acesso que o aluno tiver mais bem desenvolvidas. O processo é
sempre o mesmo. O como realizá-lo,
entretanto, depende da caracterização de cada um.
Fonte: Projeto Escola Viva - Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial
Publicado em 28/06/2012