A tão sonhada educação gratuita e de qualidade é
realidade na Finlândia. Líder do ranking global Pisa (sigla em inglês
para Programa Internacional de Avaliação de Alunos) em 2012, o país
nórdico tornou-se um modelo de educação para o resto do mundo. Em um
sistema em que a escola é obrigatória, cerca de 540 mil alunos estudam
por nove anos, desde os sete, nas chamadas escolas secundárias. Antes
disso, a escola é voluntária, mas quase todos os pais usam desse
direito.
Praticamente 100% dos jovens completam o período exigido, e 98%
estudam em escolas públicas.
Os segredos da educação na Finlândia são vários e estão
inseridos em uma conjuntura histórica e cultural que deve ser levada em
conta. No entanto, o próprio Ministério da Educação e Cultura indica o
caminho que pode ser seguido em qualquer país: um sistema educacional
uniforme, professores altamente competentes e autonomia para as escolas.
A Finlândia já foi mais pobre e sem a alta tecnologia
que possui hoje. Mas os finlandeses sempre acreditaram que era preciso
incentivar a educação, ainda mais se tratando de um país pequeno que
hoje conta com 5,4 milhões de habitantes, menos de 3% da população do
Brasil. A profissão de professor é historicamente respeitada e
valorizada. Em 1921, foi definido que independente da classe social,
todos tinham direito à escola. Há quase quatro décadas foi implementado o
estudo compulsório e desde então é exigido o grau de mestre para
professores.
“A ideia básica da educação tem sido a igualdade”,
afirma o professor finlandês Matti Salo. Trata-se de um reflexo da
estratégia nórdica de estado de bem-estar social, afirma. A reforma
educacional ocorrida nos anos 1970, buscou exatamente acabar com a
distinção que havia entre um sistema de ensino curto para todos e um
mais longo, que levava ao ensino superior. “Isso era contra a ideia de
democracia em nossa sociedade”, diz Salo. Para buscar uma uniformidade
no ensino, os finlandeses tiveram que se dispor a pagar altos impostos,
ressalta. De fato, a Finlândia tem uma das maiores cargas tributárias do
mundo - a oitava, 25% maior que a brasileira.
A equidade do sistema se dá em dois níveis. Em um deles,
procura-se garantir, através de um repasse de verbas, a mesma qualidade
de ensino na capital Helsinque ou em uma pequena cidade do interior. Em
outro, busca-se a igualdade dentro de sala de aula. Suely Nercessian
Corradini, diretora pedagógica do colégio paulista Vital Brazil, visitou
escolas finlandesas para sua tese de doutorado.
Ela destaca a
importância dada às aulas de reforço. Grupos de alunos que não conseguem
acompanhar as aulas vão sendo reintegrados às classes com o apoio de um
professor treinado especialmente para isso, durante até dois anos. As
dificuldades são identificadas logo no início, mesmo na escola primária,
e trabalhadas. O esforço em incluir esses alunos é fator decisivo na
hora do Pisa.
O governo finlandês ainda fornece refeições e material
escolar de graça. “Isso é uma das coisas mais importantes. Faz uma
enorme diferença na aprendizagem ter o almoço grátis”, diz Salo. As
instituições de ensino devem ser próximas das casas das crianças, caso
contrário há transporte disponível. O professor destaca também o bom
investimento em saúde, com psicólogos escolares, assistentes sociais e
enfermeiros disponíveis.
Ser professor é status
Ao contrário do que muitos pensam, valorizar o professor
não é somente pagá-lo bem. Segundo relatório da OECD (sigla em inglês
para Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o
salário mensal do professor finlandês fica entre US$ 2,5 mil e US$ 4 mil
(entre R$ 5,5 mil e R$ 8,8 mil) - um salário médio para o padrão
nórdico. Tatiana Britto, consultora legislativa do Senado Federal para
educação afirma: “O salário é baixo, mas é de classe média europeia.
Ninguém acha que vai ser rico sendo professor, mas vai viver bem, com
estabilidade e férias um pouco mais longas”.
Silvia Mutanen é brasileira, casada com finlandês, e há
quase dois anos atua como professora de crianças menores de sete anos na
Finlândia. Para ela, se o salário não é dos mais altos, o ambiente de
trabalho é bom. Dois fatores contribuem para isso: a autonomia dos
professores e a sua valorização.
Apesar de a recompensa financeira não ser um grande
atrativo, a procura pela profissão é enorme.
Segundo o Ministério da
Educação, apenas um em cada dez candidatos a entrar na universidade para
ser professor são aprovados. “Por ser uma carreira concorrida, ela
desperta o desejo. E com isso eles atraem os melhores egressos do Ensino
Médio”, afirma Suely. Assim, a profissão vai se valorizando frente à
sociedade. Salo diz que a popularidade da profissão se deve a uma
tradição de respeito à educação. O grupo qualificado que consegue entrar
na graduação continua a contar com um ensino sólido. A formação, que
inclui mestrado, busca proporcionar um excelente conhecimento da língua e
de matemática, uma boa capacidade de comunicação e a compreensão do
papel social da profissão.
Autonomia do professor
Ter professores de qualidade permite ao governo dar
liberdade para os docentes. O professor Mati Salo diz que, mesmo que o
Conselho Nacional de Educação e as autoridades locais deem algumas
orientações, as escolas têm autonomia em compor o currículo, e os
professores têm liberdade metodológica para colocá-lo em prática. “Isso
motiva os professores e permite a inovação”, afirma.
Suely ressalta que o
currículo nacional especifica somente os objetivos gerais e cada
instituição complementa o currículo em conjunto com os professores. Uma
tarde por semana é dedicada a planejar e elaborar o currículo. “Aqui na
Finlândia o professor tem total liberdade pra preparar sua aula, ele
pode escolher os livros, o material, os recursos a serem utilizados. Há
uma grande autonomia cercada de confiança e apoio”, conta a professora
Silvia. “O professor não vai apertar parafuso, mas formar pessoas”, diz
Tatiana.
A liberdade se dá também aos alunos. Não há períodos
integrais, com muitas lições e tantas avaliações quanto no Brasil. Ainda
assim, não é possível dizer que não haja pressão aos estudantes.
Tatiana diz que, nos anos iniciais, o ensino é realmente mais lúdico,
sem deveres de casa, mas há seriedade. “Eu visitei uma escola em semana
de provas, com meninos de nono ano, totalmente voltados para aquilo.
Todo mundo enfileirado, com o professor fiscalizando”, diz. O que não
existe, de fato, é uma grande avaliação externa, um exame nacional. Para
Salo, a avaliação não tem função de dividir os melhores alunos dos
outros, mas ajudar a desenvolver métodos de ensino que apoiem os
estudantes.
Mesmo com tudo isso, a preocupação dos educadores
finlandeses é atrair os jovens para a escola. Salo relata que os
estudantes, principalmente, em graus mais elevados, precisam se
interessar mais. É necessário fazê-los perceber que podem influenciar na
vida escolar.
O investimento e a preocupação em formar bons
professores ajudam a colocar a Finlândia no topo do Pisa, mas a educação
não é papel só da escola. Segundo Silvia, o contexto social e cultural
do país faz da escola complemento e apoio do que a criança já traz
consigo de casa.
* * * * * * * *
Exclusivo: ministra finlandesa explica os pilares da educação no país
98% da população tem acesso a educação gratuita na Finlândia, e todos professores têm mestrado
Líder do PISA (Programa Internacional de Avaliação de
Alunos, na sigla em inglês), ranking internacional de avaliação da
educação, a Finlândia chama a atenção da comunidade pedagógica pela
eficiência do seu modelo educacional. O país nórdico conseguiu
desenvolver uma educação gratuita e de qualidade, sustentada pela
valorização do professor em um sistema igualitário e de acesso
universal. Mesmo sem uma grande avaliação nacional, o governo finlandês
consegue manter uma qualidade homogênea em todas as regiões do país.
Em passagem pelo Brasil no final do mês, quando
participará do Bett América Latina Cúpula de Liderança (evento que
ocorre nos dias 31 de outubro e 1º de novembro, em São Paulo), a
ministra da Educação e Ciência da Finlândia, Krista Kiuru, 39 anos,
conversou por e-mail sobre questões relativas ao sistema educacional do
seu país. Representante do Partido Social Democrata, de centro-esquerda,
Krista trabalhou no Ministério do Transporte e Comunicações entre 2011 e
maio de 2013, quando assumiu seu atual posto. A ministra estudou
filosofia, teologia e sociologia, na Universidade de Turku. Atuou como
professora de Filosofia, Religião e Artes na escola secundária. A
seguir, confira a entrevista exclusiva feita por e-mail pelo Terra.
Terra - Como a Finlândia atingiu um nível tão bom na educação, liderando o ranking do PISA?
Krista Kiuru - Nós estamos muito
felizes e honrados com os bons resultados conquistados no último ranking
do PISA. Mas também somos um pouco modestos para explicar as razões por
trás do nosso sucesso. Não há um simples truque ou uma resposta fácil
para essa pergunta. A sociedade finlandesa valoriza a civilização e a
educação e, portanto, tem uma atitude muito positiva em relação à
educação. Qualquer mudança na política de educação cria sempre um debate
público intenso, que reflete o forte compromisso com o assunto na
Finlândia.
Para destacar três elementos em nossa educação, menciono
os bons professores, a qualidade uniforme na educação e também um claro
compromisso com a igualdade. O investimento na formação de professores
levou a uma situação em que as diferenças na qualidade do ensino são
muito pequenas entre 'uma região e outra. No ensino fundamental, todos
os alunos têm acesso garantido à escola mais próxima.
O foco hoje em dia é colocado muito na tecnologia
moderna, mas eu gostaria de lembrar a importância da leitura,
fundamental para a aprendizagem. Na Finlândia, temos uma rede de
bibliotecas de alto padrão, em que nenhuma taxa é cobrada para
empréstimo ou uso das coleções. O índice de quase 100% de alfabetização
garante o sucesso em diferentes disciplinas e nos diferentes estágios da
educação.
Eu tenho enfatizado a boa educação de qualidade
uniforme, mas eu gostaria de mencionar também as necessidades
individuais. As necessidades dos alunos desempenham um papel importante
no currículo nacional. Muita atenção tem sido destinada em apoiar
individualmente o aprendizado e o bem-estar dos alunos.
Terra - Como a senhora acha que a tecnologia deve ser usada em sala de aula? É essencial introduzi-la nas escolas?
Krista - A tecnologia é parte da vida
das crianças mesmo antes de entrar na escola, de modo que, às vezes,
elas são mais experientes com a tecnologia do que os seus professores! A
tecnologia moderna pode ampliar tantas possibilidades na sala de aula
que não podemos nem mesmo reconhecê-las ainda. Ela é principalmente uma
ferramenta para aprender vários assuntos. Sinto-me honrada em dizer que,
na Finlândia, temos alguns desenvolvimentos interessantes, como jogos
educativos móveis criados com base em pesquisa acadêmica.
A habilidade de usar a tecnologia da informação é
essencial para a sobrevivência no mundo de hoje. As escolas desempenham
um papel importante para levar as mesmas possibilidades para todas as
crianças.
Terra - A Finlândia provou que é possível ter educação gratuita e de qualidade. Como foi esse processo?
Krista - Desde o início do século XIX, a
educação popular tem sido uma parte fundamental do projeto de
identidade nacional. No século XX, os movimentos políticos
compartilharam amplamente esta atitude positiva para a educação.
Serviços básicos bons e gratuitos são o coração da sociedade de
bem-estar finlandesa. De acordo com este pensamento, todas as pessoas
têm o direito a ter serviços de qualidade, não importando a sua origem
familiar ou o local de residência. A educação de qualidade desde a
educação infantil até o nível universitário é uma parte importante
desses serviços básicos.
Há ainda um forte consenso na Finlândia sobre educação
gratuita; este valor é amplamente compartilhado pela população e por
todos os partidos políticos finlandeses. Como os recursos naturais do
nosso país são limitados e localizados longe das principais áreas de
mercado, a boa educação das pessoas e o investimento no capital humano
são prioridades.
Terra - Como vocês fizeram para formar bons professores e valorizá-los ?
Krista - Historicamente, os professores
têm sido altamente valorizados na sociedade finlandesa. A profissão de
professor ainda é muito popular, por isso as nossas universidades que
formam professores podem escolher o melhor entre os melhores candidatos.
Nossos professores têm uma formação acadêmica baseada em pesquisa e
todos têm mestrado. A formação inclui vários períodos de práticas
pedagógicas, por isso mesmo os jovens professores têm experiência no
ensino logo que graduados. Eles conhecem o assunto e são pedagogicamente
bem treinados.
Como os professores são altamente qualificados,
confiamos neles e há total independência para organizarem o seu
trabalho. Acho que confiar no seu profissionalismo é a melhor maneira de
mostrar o apreço. Por exemplo, os materiais didáticos não são
inspecionados em nível nacional (esta prática foi abandonada no início
da década de 1990), então as escolas e os professores têm a liberdade de
escolher o material que desejam utilizar, bem como os métodos de
ensino.
Terra - Qual é o papel do governo na educação?
As escolas são absolutamente livres para decidir como ensinar e avaliar
os alunos?
Krista - Nosso sistema educacional se
baseia em autogestão das escolas, currículos escolares desenhados a
partir de metas nacionais e autoavaliação. Flexibilidade na governança
quer dizer que a responsabilidade pela educação repousa nas autoridades
locais, ou seja, muito perto dos jovens e de suas famílias.
O governo determina os objetivos gerais da educação e a
distribuição de horas de aula. O Ministério da Educação e Cultura
elabora a legislação e decisões relativas à educação. O Conselho
Nacional de Educação estabelece os objetivos concretos e conteúdos
fundamentais do ensino nas diferentes disciplinas e é responsável pelo
currículo nacional. As autoridades locais são responsáveis pelo arranjo
prático de escolaridade e por compor o currículo municipal. Cada escola,
em seguida, escreve o seu próprio currículo baseado tanto no currículo
nacional quanto no municipal.
Terra - Que medidas implantadas na educação
finlandesa poderiam ser aplicadas para um país com uma realidade
diferente como o Brasil?
Krista - É sempre bom aprender com as
experiências de outros países - isso é o que há de melhor na cooperação
internacional. Mas dar conselhos ou copiar algo não é a abordagem
correta. Cada sistema de ensino reflete a cultura e a história de seus
países - é por isso que boas experiências e práticas não podem ser
transferidas diretamente de um país para outro. Mas o que pode ser dito é
que o compromisso com a educação como um direito humano básico à
disposição de todos, a igualdade entre os alunos - o que significa que
você deve ver o potencial de todas as crianças -, a escolaridade como um
serviço público e professores altamente qualificados têm funcionado bem
na Finlândia.
Desejo encorajar o Brasil a ter um debate nacional forte
e aberto sobre a política de educação, e, com base nesta discussão, dar
passos determinados na aplicação das reformas que são consideradas
necessárias. Fico feliz que o Brasil e a Finlândia estejam tendo uma
cooperação tão intensa na educação, para que possamos compartilhar
nossos pensamentos e trabalhar em conjunto para uma melhor educação em
ambos os países.