A
estante decorada por dezenas de objetos coloridos é o que atrai a
criança, procurando um brinquedo – e uma lição, inconscientemente. Ela
pega uma caixa com materiais dourados que ensinam matemática. E, assim
como seus colegas de escola, passa a contar, sem números ou desenhos.
Tem na mão apenas algumas peças amarelas, que, conforme a quantidade,
ela vai aprendendo a chamar de “um”, “dez” ou “cem”. O professor passeia
pelo local, indo de criança em criança. Em suas mãos, não há nenhum giz
– também não é preciso, onde está o quadro-negro? Mas o lugar é uma
escola. Ainda que, definitivamente, essa não seja uma escola
tradicional.
Cenas parecidas com essa acontecem em instituições de
ensino que seguem o método pedagógico montessoriano. Idealizado pela
médica e educadora Maria Montessori no início do século XX, a linha
alternativa é adotada por 27 escolas brasileiras, em dez Estados,
segundo cadastro na Organização Montessori do Brasil. “O método
montessoriano tem ênfase na individualidade. Vai além do acúmulo de
informações dos métodos tradicionais”, afirma Paty Fonte, educadora
especialista em pedagogia de projetos.
A pedagogia Montessori é desenvolvida, sobretudo, na
educação infantil, até o 5º ano. As turmas são divididas em faixas
etárias e devem ser compostas por até 20 alunos. Além disso, defende a
autodisciplina das crianças, que é incentivada pelo contato prático com
materiais didáticos. Segundo Paty, o sistema montessoriano foi
revolucionário por dar liberdade às crianças de escolherem o que
aprender e qual atividade fazer.
As salas também foram inovações na época – são repletas
de objetos com funções educativas específicas e adequadas ao tamanho dos
alunos.
Paty destaca algumas pequenas atividades do sistema.
“Nas aulas, os alunos têm que guardar o material, saber a hora certa de
pegar o do colega. Em escolas clássicas montessorianas, as crianças
fazem seu lanche, limpam o que usam. Há aulas sobre meio ambiente,
higiene. Isso é uma preparação para a vida”, afirma. A educadora conta
que geralmente não há horários de recreio, com o objetivo de fazer a
criança entender que não há diferença entre os momentos de lazer e
aprendizado.
A formação dos docentes configura outro avanço
conquistado pela metodologia, de acordo com Gilza Maria Zauhy Garms,
professora da faculdade de educação da Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Para lecionar em escolas
montessorianas, os docentes devem fazer cursos específicos. “Os objetos
didáticos são próprios da linha montessoriana. Eles precisam conhecer
cada material, como usá-los e para que servem”, explica.
Por permitir ao aluno escolher as atividades escolares,
cabe ao professor guiá-lo e evitar disparidades entre as áreas de
conhecimento. “O professor não impõe, não dá nenhum conhecimento pronto.
Eles precisam orientar e desafiar o aluno para que aprendam o
adequado”, relata Paty. Os casos de indisciplina não são comuns,
conforme ela. “Mas não há castigos, assim como não há prêmios. O aluno
muda ao perceber que está se prejudicando e não acompanha o ritmo da
turma”.
Dayse Canano, diretora da escola montessoriana Petra, no
Rio de Janeiro, acredita que o método reconhece as “diferentes
inteligências” das crianças, o que pode não acontecer em escolas
tradicionais. “Há alunos que têm mais aptidão na área motora, por
exemplo, e esse potencial deve ser observado e explorado. A inteligência
é definida como ‘a maneira como se resolvem problemas’. Essas maneiras
não são iguais para todos”, diz.
A forma de avaliação mais comum se dá pela observação
diária e individual. Ao final de cada etapa, os professores apresentam
relatórios de avanço que dizem se a criança está apta para o próximo
nível.
Críticas
Desde o seu surgimento, o
método montessoriano sofre críticas. Uma delas é a impossibilidade da
criança definir como irá exercer a atividade, apesar de ter liberdade de
escolher qual irá fazer. “Apesar de pregar autonomia, todas as
atividades montessorianas são pré-determinadas, não há flexibilidade. A
autonomia gerada pelo método, segundo seus defensores, se constrói a
partir de atividades que devem ser rigorosamente seguidas para o
aprendizado”, afirma Gilza.
Por isso, a professora não acredita que seja um exemplo
característico de educação livre. Para ela, a pedagogia de Célestin
Freinet é um exemplo de projeto que rompe com a rigidez. Essa
metodologia consiste em promover o trabalho, cooperação e participação
ativa das crianças através de oficinas.
Outro questionamento que a proposta Montessori enfrenta é
a de que impõe uma divisão do conhecimento. “A sequência programada das
atividades fragmenta a percepção, o intelecto, a vida social em sala de
aula. Ainda que a criança deva conseguir reunir todo o conhecimento ao
final do processo, a cognição será mais difícil de ser alcançada”,
afirma. Para explicar a teoria, Gilza toma como exemplo o padrão do
ensino de cores nas escolas em geral. “Há o hábito de ensinar as cores
separadamente em sala de aula. Mas o mundo é feito de todas as cores.
Essa necessidade de relacionar o conhecimento é o que será afetado”.
Dificuldades de adaptação
Segundo
Gilza, nenhum método pedagógico atual consegue ser totalmente inclusivo e
favorecer a todos os perfis de pessoas. A professora acredita que
crianças mais agitadas, sociáveis, inquietas e curiosas podem não se
adaptar às atividades individuais da linha montessoriana.
Segundo Paty, a socialização acontece nas chamadas aulas
de linha, em que os alunos se reúnem em círculo, ao redor de um objeto
que será ensinado. Nesses momentos há troca de conhecimento, são
contadas histórias e cantam-se músicas – o que não é suficiente, diz
Gilza. “Ainda que haja mais relacionamento nessas aulas, elas ainda são
pré-definidas. Todos cantam a mesma música, cada um tem uma hora certa
para falar”, critica.
Remendos de metodologias
Gilza
conta que, com o passar dos anos, as linhas pedagógicas começaram a
fazer trocas, o que gerou “remendos de metodologias” em escolas do país.
Assim, em salas de aula tradicionais pode haver exercícios
montessorianos. Até mesmo na internet é possível observar jogos
educativos que se aproximam das atividades do método. “Um clique da
criança leva a uma reação e ela somente comanda o que está programado.
Esse tipo de jogo tem características montessorianas. E, a menos que
tenhamos condição de ensinar as crianças a criarem seus jogos, isso
continuará assim”.
Fonte: http://noticias.terra.com.br/educacao/
Nenhum comentário:
Postar um comentário