Autonomia, liberdade. Simplesmente saber e não precisar provar isso a ninguém - sem testes, provas, avaliações formais. A frase Quando sinto que já sei
trazem essa reflexão, e não é por acaso que foi escolhida para dar nome
ao documentário realizado pela Despertar Filmes, com lançamento
previsto para o primeiro semestre de 2014. O filme mostra 10 iniciativas
alternativas ao sistema convencional de ensino e tem um objetivo claro:
mostrar que é possível fazer diferente na educação.
A equipe visitou projetos em sete cidades brasileiras,
escolhidos especialmente pelo critério de serem distintos entre eles - o
que, nesse caso, é um ponto em comum. Todos têm por princípio o
respeito pela individualidade de cada aluno e pelo contexto social em
que se inserem, por isso, acabam funcionando de forma única. Para Raul
Perez, um dos diretores de Quando sinto que já sei, autonomia e
afetividade são as principais semelhanças entre as escolas visitadas, e
isso significa entender o aluno como indivíduo e não “como um produto
na linha de produção em série, como ocorre nas instituições
convencionais”.
A opressão do ambiente escolar tradicional foi o que
mais incomodou o jornalista de 23 anos, e o que fez com que a vontade de
mostrar que a aprendizagem é possível de outra forma se transformasse
em documentário. “O ensino que temos hoje forma especialistas. Você
fecha portas e cria cursos para a criatividade acontecer. Isso, de certa
forma, é cruel. Se a pessoa tem muitas potencialidades, deve poder
desenvolvê-las com liberdade”, argumenta.
Durante o ensino fundamental, Perez frequentou pelo
menos cinco escolas públicas de São Paulo - filho de pais separados
estudava ora perto da casa de um, ora da de outro. No ensino médio, foi
para uma escola técnica em São Bernardo do Campo. Depois, ingressou no
curso de jornalismo da PUC-SP. Essas experiências deram ao jovem uma
noção sobre como funcionava o ensino brasileiro, e já durante a
faculdade, inspirado pela leitura do livro Vigiar e Punir, do
filósofo francês Michel Foucault, decidiu tentar compreender esse
sistema que busca a “manutenção da ordem” e passou a se dedicar ao
estudo da relação entre professor e aluno, questionando por que essa
relação não mudara ao longo dos séculos.
Achou que talvez na Universidade de Coimbra, uma das
mais antigas do mundo, pudesse obter algumas respostas, e foi a Portugal
para um intercâmbio de seis meses. Na Europa, seu caminho se cruzou com
o do amigo Antonio Lovato, que também estava na região fazendo um
estudo na área, sobre escolas democráticas. Se encontraram e decidiram
unir as duas pesquisas e desenvolver um projeto juntos, o que culminou
na produção de Quando sinto que já sei. Quando Perez voltou ao
Brasil, no início de 2011, ele e Lovato começaram a procurar modelos
alternativos de ensino no País, como os que haviam conhecido durante a
viagem. A partir de algumas iniciativas com que já tinham contato e das
muitas indicações do educador José Pacheco, idealizador da Escola da
Ponte, no distrito português de Porto, selecionaram os projetos que
seriam incluídos no filme.
No ano seguinte, começaram a gravar, com uma câmera na
mão e uma ideia na cabeça - tinham apenas os próprios recursos para
desenvolver o projeto. Para a fase de finalização do filme, em abril de
2013 cadastraram o documentário em um site de financiamento coletivo. Na
última semana, haviam atingido apenas R$ 15 mil dos R$ 44.803 que
necessitavam. Começaram, então, uma campanha intensa em busca de apoio. E
conseguiram. No dia 20 de maio, chegaram a R$ 49.758. “O financiamento
coletivo é mais do que conseguir dinheiro, é também um mecanismo de
engajamento. As pessoas têm de comprar, concordar com a proposta”, diz
Perez. Junto com o suporte financeiro, vieram notícias de projetos de
todos cantos do Brasil, o que fez com que as sete iniciativas que seriam
retratadas inicialmente virassem dez - e, ainda assim, muitas tiveram
que ficar de fora.
Revolução em sala de aula
A cada escola visitada, um aprendizado. Um aluno de 10
anos da Politeia, na capital paulista, queria entender a Teoria da
Relatividade. Numa escola tradicional, talvez isso fosse um problema, e o
estudante tivesse que aguardar alguns anos e acabasse perdendo o
interesse. Lá, os educadores de todas as áreas, da matemática à
literatura, se reuniram para discutir como tratar seus conteúdos a
partir da teoria de Einstein. No projeto Âncora, de Cotia (SP),
coordenado pelo mesmo José Pacheco da Escola da Ponte, um estudante de
nove anos era fascinado por mitologia grega, e os professores foram
introduzindo novos conhecimentos a partir das histórias e personagens
que lhe interessavam.
“Durante as gravações, cada dia era um ‘primeiro dia de
aula’. Você vê as crianças livres, bem relacionadas, e se encanta com
isso”, conta Perez. Além do Âncora e da Politeia, o documentário também
passa pelas instituições e projetos Casa do Zezinho (São Paulo – SP),
Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima (São
Paulo – SP), Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (Curvelo – MG),
Gente (Rio de Janeiro – RJ), Escola Alfredo J. Monteverde – Projeto de
Educação Científica da AASDAP (Natal – RN), Escola do Centro de
Realização do Ser (Piracanga - BA), Escola Municipal de Ensino
Fundamental Presidente Campos Salles (São Paulo - SP) e Projeto Araribá
(Ubatuba - SP).
No documentário, as escolas de ensino tradicional também
são contempladas, e uma das principais questões observadas por Perez
durante o filme é que mesmo aqueles professores que estão dentro de uma
instituição convencional querem uma transformação. Segundo ele, às vezes
o sistema é tão fechado para mudança que os docentes não conseguem
empreender, e acabam desmotivados. O filme quer atingir a todos, mas o
docente é, desde o início, o principal interlocutor. “A revolução dentro
da sala de aula parte dele. Tenho professores que foram meus heróis no
tempo de escola, e que me ensinaram coisas fora do currículo, a me
relacionar, a pensar”, diz.
As escolas democráticas, de modo geral defendem o
professor como mediador, não como distribuidor de conhecimento, e é
nessa relação entre docente e aluno que acontece a educação. E é por
essa razão que os alunos não precisam provar que aprenderam o conteúdo.
Para o jornalista, o nome do documentário resume esse conceito. Ele
conta que uma série de acontecimentos contribuiu para a escolha do
título. Primeiro, a inspiração veio de um adesivo que ele recebeu após
participar de um evento, com os dizeres “Lembra o tempo em que você
sentia, e sentir era a forma mais sábia de saber e você nem sabia?”, da
poetisa paranaense Alice Ruiz. Em seguida, Eden Castelo Branco, um dos
produtores do filme, viu uma foto tirada na Escola da Ponte em que havia
duas listas que deveriam ser preenchidas pelos alunos: uma, com o que
já sabiam e podiam passar adiante, outra, com o que queriam saber, e
sugeriu que o título deveria ir nesse sentido. Mas talvez o mais
determinante tenha sido o fato de que a ideia apareceu por diversas
vezes durante as gravações - na boca dos alunos e também de José
Pacheco. “Quando sinto que já sei, compartilho o conhecimento”, disse o
educador na entrevista.
Lançamento
Uma versão preliminar do documentário deve ser
apresentada durante a Conferência Nacional de Alternativas para uma Nova
Educação (Conane), no final de novembro, e o filme completo fica para o
ano que vem - foram quase 100 horas de gravação, ainda há muito
trabalho pela frente. O lançamento vai acontecer em todos os projetos
visitados e dentro de instituições que tiverem interesse em abrir espaço
para exibição, e a equipe pretende levar convidados que tenham sido
entrevistados no filme para realizar mesas de discussões. Além disso, o
filme deve ser disponibilizado na internet em creative commons. Dirigido por Perez, Lovato e Anderson Lima, Quando sinto que já sei também conta com Anielle Guedes e Eden Castelo Branco na equipe.
Fonte: http://noticias.terra.com.br/educacao/
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