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terça-feira, 29 de outubro de 2013

Finlândia é referência em educação com 98% dos alunos na rede pública


Praticamente todos os jovens finlandeses estudam em escola pública Foto: Amanda Soila/UM / Divulgação
Praticamente todos os jovens finlandeses estudam em escola pública
Foto: Amanda Soila/UM / Divulgação

A tão sonhada educação gratuita e de qualidade é realidade na Finlândia. Líder do ranking global Pisa (sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação de Alunos) em 2012, o país nórdico tornou-se um modelo de educação para o resto do mundo. Em um sistema em que a escola é obrigatória, cerca de 540 mil alunos estudam por nove anos, desde os sete, nas chamadas escolas secundárias. Antes disso, a escola é voluntária, mas quase todos os pais usam desse direito. 

Praticamente 100% dos jovens completam o período exigido, e 98% estudam em escolas públicas. 

Os segredos da educação na Finlândia são vários e estão inseridos em uma conjuntura histórica e cultural que deve ser levada em conta. No entanto, o próprio Ministério da Educação e Cultura indica o caminho que pode ser seguido em qualquer país: um sistema educacional uniforme, professores altamente competentes e autonomia para as escolas.


A Finlândia já foi mais pobre e sem a alta tecnologia que possui hoje. Mas os finlandeses sempre acreditaram que era preciso incentivar a educação, ainda mais se tratando de um país pequeno que hoje conta com 5,4 milhões de habitantes, menos de 3% da população do Brasil. A profissão de professor é historicamente respeitada e valorizada. Em 1921, foi definido que independente da classe social, todos tinham direito à escola. Há quase quatro décadas foi implementado o estudo compulsório e desde então é exigido o grau de mestre para professores. 


Concorrida, profissão de professor é extremamente valorizada Foto: Amanda Soila/UM / Divulgação
Concorrida, profissão de professor é extremamente valorizada
Foto: Amanda Soila/UM / Divulgação

“A ideia básica da educação tem sido a igualdade”, afirma o professor finlandês Matti Salo. Trata-se de um reflexo da estratégia nórdica de estado de bem-estar social, afirma. A reforma educacional ocorrida nos anos 1970, buscou exatamente acabar com a distinção que havia entre um sistema de ensino curto para todos e um mais longo, que levava ao ensino superior. “Isso era contra a ideia de democracia em nossa sociedade”, diz Salo. Para buscar uma uniformidade no ensino, os finlandeses tiveram que se dispor a pagar altos impostos, ressalta. De fato, a Finlândia tem uma das maiores cargas tributárias do mundo - a oitava, 25% maior que a brasileira.

A equidade do sistema se dá em dois níveis. Em um deles, procura-se garantir, através de um repasse de verbas, a mesma qualidade de ensino na capital Helsinque ou em uma pequena cidade do interior. Em outro, busca-se a igualdade dentro de sala de aula. Suely Nercessian Corradini, diretora pedagógica do colégio paulista Vital Brazil, visitou escolas finlandesas para sua tese de doutorado. 

Ela destaca a importância dada às aulas de reforço. Grupos de alunos que não conseguem acompanhar as aulas vão sendo reintegrados às classes com o apoio de um professor treinado especialmente para isso, durante até dois anos. As dificuldades são identificadas logo no início, mesmo na escola primária, e trabalhadas. O esforço em incluir esses alunos é fator decisivo na hora do Pisa.


O governo finlandês ainda fornece refeições e material escolar de graça. “Isso é uma das coisas mais importantes. Faz uma enorme diferença na aprendizagem ter o almoço grátis”, diz Salo. As instituições de ensino devem ser próximas das casas das crianças, caso contrário há transporte disponível. O professor destaca também o bom investimento em saúde, com psicólogos escolares, assistentes sociais e enfermeiros disponíveis. 


Ser professor é status


Ao contrário do que muitos pensam, valorizar o professor não é somente pagá-lo bem. Segundo relatório da OECD (sigla em inglês para Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o salário mensal do professor finlandês fica entre US$ 2,5 mil e US$ 4 mil (entre R$ 5,5 mil e R$ 8,8 mil) - um salário médio para o padrão nórdico. Tatiana Britto, consultora legislativa do Senado Federal para educação afirma: “O salário é baixo, mas é de classe média europeia. Ninguém acha que vai ser rico sendo professor, mas vai viver bem, com estabilidade e férias um pouco mais longas”. 


Silvia Mutanen é brasileira, casada com finlandês, e há quase dois anos atua como professora de crianças menores de sete anos na Finlândia. Para ela, se o salário não é dos mais altos, o ambiente de trabalho é bom. Dois fatores contribuem para isso: a autonomia dos professores e a sua valorização.

Apesar de a recompensa financeira não ser um grande atrativo, a procura pela profissão é enorme. 

Segundo o Ministério da Educação, apenas um em cada dez candidatos a entrar na universidade para ser professor são aprovados. “Por ser uma carreira concorrida, ela desperta o desejo. E com isso eles atraem os melhores egressos do Ensino Médio”, afirma Suely. Assim, a profissão vai se valorizando frente à sociedade. Salo diz que a popularidade da profissão se deve a uma tradição de respeito à educação. O grupo qualificado que consegue entrar na graduação continua a contar com um ensino sólido. A formação, que inclui mestrado, busca proporcionar um excelente conhecimento da língua e de matemática, uma boa capacidade de comunicação e a compreensão do papel social da profissão.


Autonomia do professor


Ter professores de qualidade permite ao governo dar liberdade para os docentes. O professor Mati Salo diz que, mesmo que o Conselho Nacional de Educação e as autoridades locais deem algumas orientações, as escolas têm autonomia em compor o currículo, e os professores têm liberdade metodológica para colocá-lo em prática. “Isso motiva os professores e permite a inovação”, afirma.

Suely ressalta que o currículo nacional especifica somente os objetivos gerais e cada instituição complementa o currículo em conjunto com os professores. Uma tarde por semana é dedicada a planejar e elaborar o currículo. “Aqui na Finlândia o professor tem total liberdade pra preparar sua aula, ele pode escolher os livros, o material, os recursos a serem utilizados. Há uma grande autonomia cercada de confiança e apoio”, conta a professora Silvia. “O professor não vai apertar parafuso, mas formar pessoas”, diz Tatiana.


A liberdade se dá também aos alunos. Não há períodos integrais, com muitas lições e tantas avaliações quanto no Brasil. Ainda assim, não é possível dizer que não haja pressão aos estudantes. Tatiana diz que, nos anos iniciais, o ensino é realmente mais lúdico, sem deveres de casa, mas há seriedade. “Eu visitei uma escola em semana de provas, com meninos de nono ano, totalmente voltados para aquilo. Todo mundo enfileirado, com o professor fiscalizando”, diz. O que não existe, de fato, é uma grande avaliação externa, um exame nacional. Para Salo, a avaliação não tem função de dividir os melhores alunos dos outros, mas ajudar a desenvolver métodos de ensino que apoiem os estudantes.


Mesmo com tudo isso, a preocupação dos educadores finlandeses é atrair os jovens para a escola. Salo relata que os estudantes, principalmente, em graus mais elevados, precisam se interessar mais. É necessário fazê-los perceber que podem influenciar na vida escolar.


O investimento e a preocupação em formar bons professores ajudam a colocar a Finlândia no topo do Pisa, mas a educação não é papel só da escola. Segundo Silvia, o contexto social e cultural do país faz da escola complemento e apoio do que a criança já traz consigo de casa.


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Exclusivo: ministra finlandesa explica os pilares da educação no país

 

98% da população tem acesso a educação gratuita na Finlândia, e todos professores têm mestrado

 

A ministra da Educação e Ciência da Finlândia, Krista Kiuru, conversou por e-mail sobre questões relativas ao sistema educacional do seu país Foto: Divulgação
A ministra da Educação e Ciência da Finlândia, Krista Kiuru, conversou por e-mail sobre questões relativas ao sistema educacional do seu país
Foto: Divulgação




Líder do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos, na sigla em inglês), ranking internacional de avaliação da educação, a Finlândia chama a atenção da comunidade pedagógica pela eficiência do seu modelo educacional. O país nórdico conseguiu desenvolver uma educação gratuita e de qualidade, sustentada pela valorização do professor em um sistema igualitário e de acesso universal. Mesmo sem uma grande avaliação nacional, o governo finlandês consegue manter uma qualidade homogênea em todas as regiões do país.


Em passagem pelo Brasil no final do mês, quando participará do Bett América Latina Cúpula de Liderança (evento que ocorre nos dias 31 de outubro e 1º de novembro, em São Paulo), a ministra da Educação e Ciência da Finlândia, Krista Kiuru, 39 anos, conversou por e-mail sobre questões relativas ao sistema educacional do seu país. Representante do Partido Social Democrata, de centro-esquerda, Krista trabalhou no Ministério do Transporte e Comunicações entre 2011 e maio de 2013, quando assumiu seu atual posto. A ministra estudou filosofia, teologia e sociologia, na Universidade de Turku. Atuou como professora de Filosofia, Religião e Artes na escola secundária. A seguir, confira a entrevista exclusiva feita por e-mail pelo Terra.


Terra - Como a Finlândia atingiu um nível tão bom na educação, liderando o ranking do PISA?


Krista Kiuru - Nós estamos muito felizes e honrados com os bons resultados conquistados no último ranking do PISA. Mas também somos um pouco modestos para explicar as razões por trás do nosso sucesso. Não há um simples truque ou uma resposta fácil para essa pergunta. A sociedade finlandesa valoriza a civilização e a educação e, portanto, tem uma atitude muito positiva em relação à educação. Qualquer mudança na política de educação cria sempre um debate público intenso, que reflete o forte compromisso com o assunto na Finlândia.


Para destacar três elementos em nossa educação, menciono os bons professores, a qualidade uniforme na educação e também um claro compromisso com a igualdade. O investimento na formação de professores levou a uma situação em que as diferenças na qualidade do ensino são muito pequenas entre 'uma região e outra. No ensino fundamental, todos os alunos têm acesso garantido à escola mais próxima.


O foco hoje em dia é colocado muito na tecnologia moderna, mas eu gostaria de lembrar a importância da leitura, fundamental para a aprendizagem. Na Finlândia, temos uma rede de bibliotecas de alto padrão, em que nenhuma taxa é cobrada para empréstimo ou uso das coleções. O índice de quase 100% de alfabetização garante o sucesso em diferentes disciplinas e nos diferentes estágios da educação.


Eu tenho enfatizado a boa educação de qualidade uniforme, mas eu gostaria de mencionar também as necessidades individuais. As necessidades dos alunos desempenham um papel importante no currículo nacional. Muita atenção tem sido destinada em apoiar individualmente o aprendizado e o bem-estar dos alunos.


Terra - Como a senhora acha que a tecnologia deve ser usada em sala de aula? É essencial introduzi-la nas escolas?


Krista - A tecnologia é parte da vida das crianças mesmo antes de entrar na escola, de modo que, às vezes, elas são mais experientes com a tecnologia do que os seus professores! A tecnologia moderna pode ampliar tantas possibilidades na sala de aula que não podemos nem mesmo reconhecê-las ainda. Ela é principalmente uma ferramenta para aprender vários assuntos. Sinto-me honrada em dizer que, na Finlândia, temos alguns desenvolvimentos interessantes, como jogos educativos móveis criados com base em pesquisa acadêmica.


A habilidade de usar a tecnologia da informação é essencial para a sobrevivência no mundo de hoje. As escolas desempenham um papel importante para levar as mesmas possibilidades para todas as crianças.


Terra - A Finlândia provou que é possível ter educação gratuita e de qualidade. Como foi esse processo?


Krista - Desde o início do século XIX, a educação popular tem sido uma parte fundamental do projeto de identidade nacional. No século XX, os movimentos políticos compartilharam amplamente esta atitude positiva para a educação. Serviços básicos bons e gratuitos são o coração da sociedade de bem-estar finlandesa. De acordo com este pensamento, todas as pessoas têm o direito a ter serviços de qualidade, não importando a sua origem familiar ou o local de residência. A educação de qualidade desde a educação infantil até o nível universitário é uma parte importante desses serviços básicos.


Há ainda um forte consenso na Finlândia sobre educação gratuita; este valor é amplamente compartilhado pela população e por todos os partidos políticos finlandeses. Como os recursos naturais do nosso país são limitados e localizados longe das principais áreas de mercado, a boa educação das pessoas e o investimento no capital humano são prioridades.


Terra - Como vocês fizeram para formar bons professores e valorizá-los ?


Krista - Historicamente, os professores têm sido altamente valorizados na sociedade finlandesa. A profissão de professor ainda é muito popular, por isso as nossas universidades que formam professores podem escolher o melhor entre os melhores candidatos. Nossos professores têm uma formação acadêmica baseada em pesquisa e todos têm mestrado. A formação inclui vários períodos de práticas pedagógicas, por isso mesmo os jovens professores têm experiência no ensino logo que graduados. Eles conhecem o assunto e são pedagogicamente bem treinados.


Como os professores são altamente qualificados, confiamos neles e há total independência para organizarem o seu trabalho. Acho que confiar no seu profissionalismo é a melhor maneira de mostrar o apreço. Por exemplo, os materiais didáticos não são inspecionados em nível nacional (esta prática foi abandonada no início da década de 1990), então as escolas e os professores têm a liberdade de escolher o material que desejam utilizar, bem como os métodos de ensino.



Terra - Qual é o papel do governo na educação? As escolas são absolutamente livres para decidir como ensinar e avaliar os alunos?


Krista - Nosso sistema educacional se baseia em autogestão das escolas, currículos escolares desenhados a partir de metas nacionais e autoavaliação. Flexibilidade na governança quer dizer que a responsabilidade pela educação repousa nas autoridades locais, ou seja, muito perto dos jovens e de suas famílias.


O governo determina os objetivos gerais da educação e a distribuição de horas de aula. O Ministério da Educação e Cultura elabora a legislação e decisões relativas à educação. O Conselho Nacional de Educação estabelece os objetivos concretos e conteúdos fundamentais do ensino nas diferentes disciplinas e é responsável pelo currículo nacional. As autoridades locais são responsáveis pelo arranjo prático de escolaridade e por compor o currículo municipal. Cada escola, em seguida, escreve o seu próprio currículo baseado tanto no currículo nacional quanto no municipal.


Terra - Que medidas implantadas na educação finlandesa poderiam ser aplicadas para um país com uma realidade diferente como o Brasil?


Krista - É sempre bom aprender com as experiências de outros países - isso é o que há de melhor na cooperação internacional. Mas dar conselhos ou copiar algo não é a abordagem correta. Cada sistema de ensino reflete a cultura e a história de seus países - é por isso que boas experiências e práticas não podem ser transferidas diretamente de um país para outro. Mas o que pode ser dito é que o compromisso com a educação como um direito humano básico à disposição de todos, a igualdade entre os alunos - o que significa que você deve ver o potencial de todas as crianças -, a escolaridade como um serviço público e professores altamente qualificados têm funcionado bem na Finlândia.


Desejo encorajar o Brasil a ter um debate nacional forte e aberto sobre a política de educação, e, com base nesta discussão, dar passos determinados na aplicação das reformas que são consideradas necessárias. Fico feliz que o Brasil e a Finlândia estejam tendo uma cooperação tão intensa na educação, para que possamos compartilhar nossos pensamentos e trabalhar em conjunto para uma melhor educação em ambos os países.








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